14 de jun. de 2012

VIDA E OBRA DE CHARLES CASCATA

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Num local muito, muito distante, no Reino de Saiog, nasceu um menino chamado Charles Cascata, filho de Dona Maria José. Mulher simples, mas honrada, criou o filho como podia; a vida na região do Burgo de Ainaiog, capital do Reino de Saiog, nunca foi fácil.

Desde pequeno Charles preocupava a mãe com as molecagens que fazia. Na escola infantil, roubava lápis e canetas dos coleguinhas; mentia para a professora ao fingir estar doente para justificar as faltas. Costumava pular o muro da escola para ir jogar futebol na rua com os vizinhos do Burgo de Ainaiog. Ele havia roubado uma bola na feira e, porisso, tinha o privilégio de escolher os melhores jogadores para seu time.

Adolescente, Charles passou a roubar galinhas e porcos. Não satisfeito, surrupiava cavalos e carruagens. Depois, baús com joias. Envolveu-se com o jogo ilegal de dados e fez muitos amigos no mundo do crime. Falsificava os boletins da escola para que sua mãe não soubesse de suas notas baixas. Formou sua quadrilha de bandidos aos 16 anos de idade, com uma turma barra pesada.

Aos 21 anos, já era temido nas ruas de Ainaiog. Sua rede de poder era composta por membros  influentes do Burgo. Apesar de plebeu, Cascata tinha fortes relações com nobres do Reino de Saiog e conhecia o ponto fraco de todos eles: Moedas de Ouro!

Fez de Demócrito Bispo, princeps senatus, seu representante no Senatum. Demócrito fazia discursos acalorados e acusatórios contra os membros do Reino de Saiog que não o apoiavam. Aos olhos do povo, era considerado herói e honesto. Admirava a forma inteligente e sagaz de cascata conseguir tudo o que queria.

Jumar Sandes era o judex supremus de Saiog. Membro da Alta Corte de Conselheiros do Rei e renomado defensor da justiça, Sandes era a base legal para impedir que o jogo de dados fosse denunciado pelos guardiões do Reino. Mantinha relações estreitas com Cascata, sempre às escondidas para não levantar suspeitas entre os demais nobres. Uma ocasião, a pedido de Cascata, mandou soltar o poderoso banqueiro Duncan Donuts aprisionado pelos guardiões. Por duas vezes, desceu à masmorra para fazer cumprir sua ordem. Era duro com seus inimigos mas dócil com os amigos.

Com o proconsul governatorius do Reino de Saiog, Otoni Cirillo, cuja influência era grande na região, tinha mais intimidade. Frequentava sua casa, estava presente nas refeições com outros membros da família Cirillo e, nas festas, fazia-se se passar por nobre. Comprou a casa de Cirillo numa operação fraudulenta que envolveu a soma de 14 moedas. Era visto frequentemente deglutindo assados e bebendo vinho, rodeado de mulheres e serviçais na casa que pertencera a Otoni Cirillo.

Com a ajuda dos nobres, Cascata fundou a Beta Construtorium, ferramentaria que se dedicava ao ramo da construção de casas no vilarejo de Ainaiog e, logo, passou a construir obras para o Reino. Claro, a preços muito mais elevados, tudo em comum acordo ao proconsul governatorius Cirillo. Assim, suas riquezas aumentavam e, com ela, seu poder.

Mas também estava às voltas com gente do povo, plebeus como ele, pessoas sem caráter e ambiciosas que Cascata sabia controlar.

Aliou-se a Idelbório Matoso, conhecido como Dedé, ex guardião do Reino, cuja audição era sua maior virtude; costumava se espreitar pelos corredores dos Palácios para ouvir conversas dos inimigos. Era rude e cruel, usava suas habilidades para chantagear qualquer pessoa que pudesse lhe render algumas moedas.

Para garantir que sua imagem não fosse manchada pelos malfeitos que fazia, Cascata usou a influência de Jumar Sandes, o defensor da justiça, para se tornar amigo do responsável pela  Vigiatum, uma espécie de informe escrito em pergaminho distribuído por todo o Reino, que gozava de certo prestígio até então. Metacarpo Filho era o diretor da sucursal Saiog da Vigiatum, quem ditava as regras e escolhia o que seria ou não escrito.

Costumava se encontrar com Cascata antes de mandar pregar os pergaminhos nos postes do Reino para saber o que deveria escrever. Era comum combinarem denúncias contra aqueles que não faziam parte da turma, inventavam mentiras e calúnias e, quando a notícia se espalhava pelos Burgos, o princeps senatus Demócrito subia à tribuna do Senatum para acusar os desafetos de Cascata.

Um perfeito teatro dramático.

Assim, com a ajuda de todas as pessoas de sua rede, Cascata esteve prestes a se tornar a pessoa mais importante do Reino de Saiog. Com as moedas que provinham do jogo ilegal de dados, pagava muito bem seus colaboradores, comprando sua fidelidade e silêncio. Era como se todas as portas se abrissem para Cascata e só ele pudesse escolher quem passaria por elas.

Todo este poder o fez perder a noção dos riscos que corria. Com o passar do tempo, os guardiões começaram a desconfiar que Cascata estava envolvido com gente perigosa e começaram a segui-lo. Por todo o Reino espalharam guardiões para ouvir o que se tramava atrás das portas dos castelos. 

O guardião Protóbius Quiroga, cujo raciocínio lógico era exemplar, denunciou Charles Cascata e toda a quadrilha ao Rei de Saiog assim que tomou conhecimento dos conchavos, subornos e atos de corrupção que Cascata operava.

Assim, deu-se a limpeza dos criminosos. Recolhidos à masmorra, todos eles foram condenados a prisão com trabalhos forçados.

Charles Cascata, Metacarpo Filho e Idalbório Matoso, plebeus, compartilham a mesma cela e passam os dias trabalhando na reforma das pontes elevadiças do Reino. Nos momentos de descanço, jogam dados e fazem apostas.

Demócrito Bispo foi mandado para um Burgo longínquo a mando do Rei. Trabalha na colheita de batatas e, enquanto as recolhe, recita os discursos que costumava fazer na tribuna do Senatum.

Jumar Sandes recusou-se a trabalhar, porisso o deixaram acorrentado pelas mãos e sobrevive a pão e água. Por causa do castigo, sua saúde está ficando frágil. Adora ofender os guardiões que lhe trazem comida; nem mesmo sua posição de condenado reduziu-lhe a arrogância.

Otoni Cirillo conseguiu perdão do Rei, mas teve o título de nobreza cassado e vive pelas ruas como mendigo. Há quem jura tê-lo visto andando com bêbados e roubando galinhas.

A Vigiatum deixou de ser distribuída e ninguém no Reino de Saiog sente falta.

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